sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O legado de Acácio Gil Borsoi

"A coerência interna e imutável da criação arquitetônica"

Marco Antonio Borsoi¹


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Tentarei ser os seus olhos. E, também, o seu conhecimento e a sua experiência transmitidos ao longo de afetuoso convívio. A arquitetura como o centro do universo a reivindicar - mesmo desafiando sua tênue condição - seu lugar por excelência na construção do mundo

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Foto: arquiteto Marco Antonio Borsoi

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Um Borsoi conceitual emerge em relatos e lições vividos em meus tempos de faculdade, nos anos 70. Encontrar a coerência interna e imutável da criação arquitetônica, buscar a essência de uma vontade ou força ordenadora, verdadeiro diferenciador entre o que é arquitetura e sua inexistência implacável.

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Nos interessa a raiz da composição, o nascimento fatal da arquitetura. É preciso educar o olhar, estimular a percepção a partir das lições do passado, das relações entre a arquitetura e a historiografia. Não por acaso, insistir na leitura dos tratados, de Giacomo Vignola, La regola delli cinque ordini (1562) à André Lurçat, Formes, composition et lois d’harmonie ( 1957). Ou a síntese brasileira na interpretação do mestre Lúcio Costa, "...a procura obstinada de justa medida", "...a intenção superior que seleciona, coordena e orienta em determinado sentido", tudo o que pode conferir à obra, não tanto ineditismo ou originalidade, mas seu caráter de permanência. E, para Mies Van Der Rohe, a forma é mais um processo de destilação do que propriamente de inspiração.

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Toda essa reflexão assenta na assimilação de outro mestre, Le Corbusier, e sua apaixonada apologia dos traçados reguladores, que desde a Grécia os homens utilizam para correção de suas obras, satisfação de seus sentidos e pensamento matemático. Em Le Corbusier de Vers une Architecture, "o traçado regulador é uma garantia contra o arbitrário. Proporciona a satisfação do espírito".

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Segundo Borsoi, o traçado regulador é a geometria oculta que nosso olho mede, reconhece e nos emociona.

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Revela uma matemática sensível que estrutura o projeto, conduz à agradável percepção de ordem, de busca das relações proporcionais e harmônicas inerentes à arquitetura.

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A formação modernista do arquiteto-Deus bauhausiano, manuseador das diferentes escalas de desenho da "colher à cidade", cede progressivamente ante a experiência mais vasta e integral do arquiteto-demiurgo, "a mão é um instrumento da mente", metaforizado no poema de Michelangelo. O arquiteto artesão e humanista, senhor pleno de seu ofício compositivo/construtivo, pode desenvolver-se e pressar-se na sua própria obra.

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No Recife, Borsoi desenvolve e aperfeiçoa os princípios fundamentais de sua arquitetura. Defende uma arquitetura urbana diferenciada, com edifícios concebidos como obras autônomas, volumes soltos, quatro fachadas proporcionadas e detalhadas, bem ventiladas e iluminadas, como a solução tipológica de inúmeros prédios residenciais e comerciais construídos. Nesses edifícios, imaginação e criatividade são postas a serviço da elaboração de uma imagem contemporânea para a cidade, dando referência na paisagem e atendendo ao desejo de um usuário cada vez mais exigente.

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Do Edifício Santo Antonio, coroando sua primeira fase de forte influência racionalista, aos manifestos inauguradores dos anos 60/70 (edifícios Mirage, Michelangelo e Portinari), até a singular montagem compositiva, contínua redefinição dos elementos arquitetônicos do Maria Juliana, no limiar dos 90, sua obra é pioneira por colocar o Recife no roteiro dos lugares dotados de marcos exemplares na passagem do Século XX.

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Nos edifícios públicos, sedimenta o conceito de "obra acabada", exercitando uma metodologia projetual aberta a incorporação das contribuições interdisciplinares, com o arquiteto assumindo plenamente o lugar do ofício na coordenação e condução do processo, definindo idéias e procedimentos tecnológicos por meio do projeto. Do Fórum de Teresina (PI) ao Centro Administrativo de Uberlândia (MG), incluindo a atual, em construção, Assembléia Legislativa do Maranhão, a reflexão construtiva associa-se aos parâmetros de escala, modenatura, policromia e definição dos detalhes para sintetizar o caráter e o significado de uma obra de arquitetura.

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Através da visão, da experiência e da maturidade, Borsoi enuncia seu conceito do fenômeno arquitetônico como algo distinto de outras formas de construção. O que distingue, em suma, a arquitetura é a intenção ordenadora expressa na essência de sua unidade, integridade e beleza. Ou, em suas próprias palavras:

"Para Aristóteles, a beleza reside na ordem e Platão, na relação dos números. Em ambos, algo é belo quando tem caráter e harmonia. Para mim, só é arquitetura quando sentimos emoção, dá aquele friozinho na espinha".

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1. Marco Antônio Gil Borsoi, filho do arquiteto Acácio Gil Borsoi, é professor do curso de arquitetura da UFPE e formou-se em arquitetura em 1976 pela FAU/UFRJ.

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Fonte: http://www.revistasim.com.br/asp/materia.asp?idtexto=8770

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