segunda-feira, 17 de outubro de 2011


Acácio Gil Borsoi & Janete Costa:
UM LEGADO A SER PRESERVADO E RECRIADO
(saber ver: virtude de poucos)


Com a participação expressiva de mais de 150 alunos inscritos, professores, designers e palestrantes, aconteceu no dia 16 de setembro, na Faculdade de Arquitetura do Colégio Damas, em Recife, uma rodada dupla de debates e reflexões para homenagear in memoriam a obra dos arquitetos Acácio Gil Borsoi e Janete Costa. De manhã, Borsoi e, à tarde, Janete. 

O evento organizado pela conectada arquiteta e arqueóloga Tereza Simis Borsoi e pela coordenadora Mércia Carrera, sob o eixo temático “Acácio Gil Borsoi e Janete Costa: um legado pernambucano”, objetivou despertar o olhar da nova geração  de estudantes de Arquitetura para a releitura de obras significativas da arquitetura contemporânea, a exemplo da obra desses arquitetos, que marcaram o panorama cultural do Nordeste.  O evento factual passou, mas as questões levantadas durante instigantes debates permanecem.

Entre os palestrantes, a vulcânica Vera Pires, o egrégio Marco Antonio Borsoi, que continua dono privilegiado da faca e do queijo para produzir uma dissertação acadêmica                                                                      ímpar acerca da obra de seu pai, a sensível Roberta Borsoi, o designer Luiz Carlos Feijó, o eclético marchand Roberto Nóbrega, este jornalista, além do antenado arquiteto e crítico argentino Roberto Ghione, cuja importância da vinda ao Recife ainda não foi devidamente analisada. A rica bagagem arquitetônica latino-americana de Ghione, ainda não foi descoberta pelos estudantes de Arquitetura. 

Coube ao Ghione fechar o encontro, quando leu um texto-manifesto enriquecido por observações e considerações pertinentes, que mereciam, a meu ver, uma separata editorial especial.

Uma delas: que os arquitetos latino-americanos devem se libertar do complexo de periferia que os mantêm reféns da arquitetura global, sem identidade e DNA particular.

A propósito dessa afirmação instigante, decidi procurá-lo, numa noite iluminada, para uma entrevista compacta. Confira:

JW -Oi, Ghione, quanto à sua afirmação sobre os arquitetos latino-americanos, perguntaria: a Janete e o Borsoi conseguiram se libetar desse complexo de inferioridade?









RG – Sem dúvida alguma. Dentro de sua visão, conhecimento  e informação universal, Janete conseguiu descobrir e valorizar a raiz da cultura local, regional, expressa por meio do artesenato e cultura popular. Afinal, a leitura do regional passa pelo universal e vice versa. Ou seja; descobrir o univernal por meio da expressão local ou regional.Asso,. como sabia ver, sabia fazer.
Quanto ao Borsoi, ele chega a Recife, ainda jovem, trazendo em sua bagagem cultural todas as informações da Arquitetura Moderna Brasileira, via “ escola carioca”, da qual faziam parte Lúcio Costa, Niemeyer, Jorge Moreira etc.

JW -  A base, portanto..
RG -  A base são os princípios da Arquitetura Moderna Internacional, além das influências da “escola carioca”, que eram muito fortes, mas adptados às necessidades, condições climáticas e culturais e à paisagem da região. Com isso, Borsoi criou uma verdadeira “escola arquitetônica”, influenciando várias gerações de arquitetos do Nodeste, cujas coordenadas não podem ser esquecidas.

JW -  Uma escola que faz parte, sem dúvida, de um cenário arquitetônico latino-americano tão rico e inventivo?
RG -  Sem dúvida. A América Latina, historicamente, se cacteriza por vivenciar e revelar linguagens e estilos independentes tão variáveis, a exemplo do barroco, do colonial, da arquitetura índigena ou religiosa dos jesuítas.
Pra exemplificar, lembraria inicialmente  Oscar Niemeyer, o arquiteto das curvas prenunciadas no complexo da Pampulha, em Belo Horizonte, 1942, do hotel Nacional, em Brasília. Ou Lúcio Costa, autor do Museu das Missões, em São Miguel, RG, em 1936. A exemplo, também,  da Caixa d´água de Olinda, também, de 1936, de Luiz Nunes.
A eles, se somam outros arquitetos latino-americanos, que conseguriram conjuminar o novo ao tradicional, ao existente, sob novo olhar. Entre tantos,  Fruto Vivas e Carlos Raul Vilanueva, de Caracas, Venezuela, Salmona, na Colômbia,
Enrique Browne, Chile, Eládio Dieste, Uruguai, Juvenal Baraco, Peru,  Antonio Diaz , Miguel Angel Roca e Clorindo Testa, Argentina, Legorreta e Antonio Toca, México etc.

JW – Voltando ao eixo temático do encontro, perguntaria: Ghione, na sua opinião, qual foi o principal legado de Janete Costa?
RG – O da busca permanente do conhecimento, como fator permanente de transformação....

JW – E de Borsoi?  
RG – A meu ver, de uma arquitetura historicamente vinculada à cidade. De uma arquitetura com alma urbana. Veja, se olharmos para a produção da chamada “escola carioca”, veremos que são na realidade  obras pontuais, como o Ministério da Cultura, o famoso hotel de Ouro Preto, o conjunto residencial da Gávea ou o Museu de Arte Moderna, de Afonso Reidy, o Instituto de Puericultura, na Cidade Universidade, de Jorge Moreira etc. Ou, seja, não vemos um conjunto moderno de obras urbanas, o que conseguimos ver na obra de Borsoi.

JW - E, para concluir, uma questão:Ghione, o que você diria, enfim, aos jovens?
RG – Que continuem sempre jovens, lutando em favor da transformação e da mudança, a exemplo da Janete e de Borsoi. A eles, afinal, cabe o futuro. Mas, um futuro que seja fecundado pelo passado, pela memória...

José Wolf é jornalista, ex-editor da Revista AU e editor do boletim do IAB-SP.
    


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